segunda-feira, 15 de julho de 2013

Não é Fácil

Sábado fomos a uma papelaria para comprar massinha de modelar. Quando chegamos, Isabel pediu para comprarmos tintas, e não massinhas. Concordei. Poucas vezes na minha vida vi a filha tão satisfeita escolhendo as cores, juntando os potinhos escolhidos no saquinho plástico. Voltou para casa numa agitação, sorriso largo. Chegou em casa gritando "papai, mamãe comprou TINTAS!"

Logo ali, na porta mesmo, abriu os potinhos, pegou um livro de historinhas e começou a pintar. Feliz! Pintou o papel, pintou o rosto. Fui para a cozinha na certeza de estar fazendo minha filhotinha amada mais feliz.

Voltei alguns minutos depois. Nada neste mundo me preparou para o que eu vi: uma parede inteira da minha sala estava tomada por carimbinhos de mãos, nas mais variadas cores. O mesmo aconteceu com o sofá. Tudo pintado e colorido. No meio do mosaico, Isabel com ambas as mãos (e o rosto, e o corpo) cobertas de tinta;ainda completava o trabalho de pintura da sala...

Raiva. Foi isso que eu senti. Um arrepio na espinha, um sentimento de injustiça: como ela pôde fazer aquilo COMIGO? Por que ela sujou daquela maneira a minha sala?? Logo eu, que faço tanto por ela, não merecia aquilo.

-Isabel, por que você fez isso? Não sabe que não pode rabiscar a sala?
-Mas é tinta, mamãe. Não ficou lindo?

A raiva crescia dentro de mim. Um vulcão de sentimentos - todos ruins - tomava conta de mim. - Está HORRÍVEL, minha filha. Você sujou a minha sala toda. Não sabe que sujeira é só no seu quarto?? Como você teve coragem de fazer isso?

Em algum momento que não posso precisar, o meu tom de voz se elevou. Sim. Gritei. Tive ganas de bater. Lá longe, muito longe, a voz do marido me chamava à razão "calma, Mari!". Não estava nada calma. Estava enfurecida! De feliz, Isabel estava séria, algo chorosa. As mãozinhas ainda sujas longe das paredes, mas sem destino. Sentei no chão atônita.

Ela se aproximou de mim e...me bateu. Me sujou a roupa toda. Blusa nova. A raiva só crescia.

Minha filha tem esta difícil característica: quando ela se sente injustiçada ou pressionada, ela agride. Sei disso, pois já vi este comportamento infinitas vezes. Sempre que vejo isso, tento primeiro acolhê-la, fazê-la se sentir confiante, para depois resolver o problema principal. Isso, aliás, já foi muitas vezes interpretado pelos críticos como falta de pulso, ou falta de limites, ou como não deixar claro o erro dela...

Mas não desta vez. Agora, eu estava fora de mim. Eu estava absolutamente furiosa contra ela. Só tive forças para dizer "sai de perto de mim." Ela olhou pra mim, olhou pro pai, de novo pra mim. O pai a pegou e a levou para o quarto. Gritei (é. Gritei de novo) para que ele não a deixasse sozinha. Dessas coisas que não sabemos explicar, algo em mim sabia que não seria bom ela ficar sozinha.

O pai fechou a porta. Ouvi seu choro, seu grito. Ela não parava de me chamar. Sentada estava, sentada continuei. Poucos instantes depois ela abriu a porta e veio correndo. Parou na minha frente sem me tocar. Simplesmente parou, me olhou e chorou.

Seus olhos tristes me comoveram. Não suportei ver minha filha sofrendo. Aos poucos, como pauladas na alma, as palavras dela me voltavam à mente..."não é rabisco, é tinta" ... "não está lindo, mamãe?" ... "não é sujeira"... Agora eu estava chorando também. O pai, de pé e de longe, só assistia à cena.

- Filha, me dá um abraço?
- Mas minha mão está suja, mamãe. Eu vou sujar sua roupa...

Outra paulada bem forte na alma.

Tirei minha blusa, fiquei só de sutiã. Olhei nos seus olhinhos tão acuados; tão desprotegidos. Pedi novamente um abraço. Nova recusa. "Estou toda suja." "Não é sujeira, filha. É tinta. Abraça a mamãe, por favor." Ela ainda chorava e continuava imóvel na minha frente.

Peguei suas mãozinhas, olhei nos seus olhos e disse com muita sinceridade: "filha, mamãe está nervosa. Você também está nervosa. Mas a gente vai resolver isso juntas, tá? Vamos nos acalmar, de cabeça quente nada se resolve. Mais tarde a gente resolve isso, tá?"

- Tá bem.

Vi tanto desamparo na minha criança, que agora, escrevendo, volto a ter vontade de enfiar uma espada na minha cabeça.

Peguei lenços umedecidos, "limpei" as mãozinhas dela. Ela em silencio enquanto eu repetia. Mamãe ficou muito nervosa. Vamos resolver isso. Tudo vai ficar bem. Vamos resolver juntas. Mamãe te ama. Me dá um abraço, por favor?

Abracei minha filha. Abracei aquele serzinho tão indefeso, tão amoroso; mas que, havia pouco, me fez sentir raiva. Do abraço ela pediu para mamar. Mamou sem me olhar nos olhos...rostinho ainda inchado do choro. Acariciei meu neném. Ela dormiu sem almoçar.

Olhando para minha filha ali, dormindo no meu colo, ainda com as marcas do que começou como brincadeira e terminou tão mal, chorei. "Eu gritei com ela! Como eu pude gritar com a nossa filhinha?" O marido me olhou, acariciou meu rosto e me disse "eu vi o teu esforço. Estou orgulhoso de você. Não se preocupe, ela ainda te ama muito." E eu chorei.

O marido precisou sair, almocei sozinha, de costas para a parede recém-colorida. Ela acordou no meio da tarde. Dei o almoço. No finzinho ela apontou a tal parede e perguntou "está lindo ou feio mamãe?"

-Filha, na sala a mamãe prefere as paredes sem as suas pinturas. Pintura de criança não combina com sala. Combina - e fica lindo - no seu quartinho! Lá a mamãe acha lindo!

Peguei dois panos, umedeci. Chamei minha filha para tirar a pintura (tomei um cuidado quase cômico para não falar "limpar"; ou "sujeira"). No início ela não se animou, mas depois empenhou-se de verdade na tarefa. Passamos a tarde tirando tinta da sala. Da parede, do chão, do sofá...foi divertido! Muito divertido.

-Quando o papai chegar, vai adorar ver a sala sem tinta né, mamãe?
-Vai sim!! Ele vai ficar orgulhoso de você.
-Por que eu consertei as coisas?
-É sim! Você está sendo muito responsável!

Claro que a sala vai ganhar nos próximos dias uma pintura nova. E o sofá, uma capa. A mamãe, essa aprendeu mais uma difícil lição nessa aventura de cuidar de crianças: nunca estamos tão preparadas que não possamos nos descontrolar. E nunca é demais tentar olhar as coisas sob a ótica das crianças. A regra dizia que não se podia rabiscar as paredes da sala...ninguém falou nada sobre tintas.

3 comentários:

  1. Mariana, comovente sua vivencia com sua linda pequena. Lindo perceber, atraves de suas palavras, o aprendizado de ambas. Fiquei enternecida com sua forma de escrever e refletir. Adorei tudo. Bjs bjs Milena

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  2. Amiga, lí, chorei, fiquei com pena(das duas), e lendo este post vemos que somos muito humanas. Quando comecei a ler não imaginei que vc teria esta reação, já te disse que o Matheus já rabiscou tooodas as paredes daqui e agora não faz mais pq pintamos e falamos que não pode, mas estamos sempre de olho rs. Deu vontade de abraçar as duas principalmente vc pois sei o que vc defende e vc deve ter se culpado muito. Não se culpe, o seu amor é enorme e a educação que dá a sua filha é linda, e ela te ama acredite e tenho certeza que esse seu excesso nunca mais acontecera´pois vc se lembrará deste episódio. Um grande bj nas duas.

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  3. É como no conto de Rubem Braga: "esfregando as paredes, mando embora algumas frustrações". O resto é planilha de orçamento. Bjs

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