quinta-feira, 11 de julho de 2013

Vamos Falar da Vara?

Quem me conhece sabe que antes, muito antes, de ser mãe, sou católica. Na minha juventude, dediquei grande parte do meu tempo sendo dirigente de grupo, missionária, catequista e outros. E que, até hoje (embora tenha optado, com o casamento, por dedicar meu tempo livre à minha família), sou fiel da Igreja Católica Apostólica Romana. Do tipo que se confessa e vai à missa todos os domingos. Do tipo que acredita naquilo, e ensina isso para a filha. Do tipo que defende que Páscoa não é a festa do coelho; nem Natal a do papai noel.

Ao me tornar mãe, descobri um novo significado para a palavra Amor. Amor de Deus, amor de mãe, amor demais! Nunca antes aqueles ensinamentos fizeram tanto sentido. Deus nos ama como eu amo a Isabel. Lindo, perfeito e complementar.

Justamente por amar minha filha saída de mim, tento respeitá-la o mais que posso. Justamente por respeitá-la, tento não fazer com ela o que eu não desejaria que fosse feito comigo. E é por isso que não bato nela (não! nem uma palmadinha...). E é por isso que não a coloco no "cantinho do pensamento". E é por isso que nunca, nunca mesmo, nunquinha, digo ou a levo a crer que não a amo; ou amo menos; ou estou decepcionada quando ela faz algo reprovável. Tento não subjugá-la. Tento direcioná-la com amor; fazê-la querer fazer o bem, fazer o certo.

Aliás, foi assim que Deus agiu conosco também, né? Nós vivíamos em pecado, longe dEle. Merecíamos a perdição. Deus, nosso pai de Amor, não permitiu. Fez-se homem, padeceu pelo meu (e pelo seu) pecado. Deus não nos fez "arcar com as consequências dos nossos atos". Deus perdoou. E perdoa sempre. Não nos exige sacrifício ou castigo para isso. Exige apenas que nos arrependamos. Se Deus, melhor que eu em tudo, não me castiga; por que eu me consideraria no direito de castigar uma criança? A minha criança?

Pois, para a minha surpresa, descobri que um número bem razoável de irmãos de fé utilizam a Bíblia como argumento para...bater nas crianças! Segundo este grupo, os ensinamentos das Escrituras, especialmente os do livro dos Provérbios, Deuteronômio e Eclesiastico, não apenas dão autorização para que se bata, como exigem que tal postura seja adotada. Vamos aos trechos:

"Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá, castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos." Provérbios 23, 13-14

"Quem poupa a vara odeia seu filho; quem o ama, castiga-o na hora precisa." Provérbios 13, 24
 


"A loucura apega-se ao coração da criança; a vara da disciplina afastá-la-á dela." Provérbios 22, 15 

Sempre que li estes ensinamentos, peguei a lição de que os pais não devem se furtar da obrigação de educar seus filhos, mostrar a eles o caminho certo a ser seguido; ensiná-los a ser pessoas de bem.  Sempre vi a "vara" como símbolo da disciplina e não como violência literal. Foi aí que ouvi, das pessoas que defendem a idéia de que a Bíblia apoia bater em crianças, que tudo ali escrito deve ser seguido ao pé da letra, de forma literal. Então, vejamos estes trechos:

"Quando irmãos morarem juntos, e um deles morrer, e não tiver filho, então a mulher do falecido não se casará com homem estranho, de fora; seu cunhado estará com ela, e a receberá por mulher, e fará a obrigação de cunhado com ela.
E o primogênito que ela lhe der será o sucessor do nome do irmão falecido, para que seu nome não se apague em Israel." Deuteronômio 25, 5-6

Será que algum dos irmãos de fé que defende seguir a Bíblia sempre de forma literal pensaria seriamente em transar com a cunhada viúva? Ou seria esta uma mensagem para não deixarmos a tal cunhada abandonada à própria sorte após a viuvez? No seu contexto original, em que uma mulher sem marido e sem filhos estava condenada à mendicância, fazer nela um fiho (de forma literal) fazia sentido; e era mais que um gesto de caridade...mas nos dias de hoje isso é impensado. Porque, então, não podemoas refletir à luz dos dias atuais em relação aos castigos físicos para crianças?

Ou este ainda:

"E se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno." Mateus 5, 30

Nunca tive notícias de um irmão de fé que, após ter batido na esposa; roubado algo ou apontado o dedo acusatório para alguém (atitudes sabidamente erradas - de pecado) tenha se arrependido e decepado a mão. Gostaria de acreditar que nenhum seguidor de Cristo comete tais atos. Mas a verdade é que, quando nos arrependemos, passamos a evitar as situações que nos levam a pecar. Esta é a mensagem da Bíblia. De novo pergunto: se ninguém cogita arrancar a própria mão, porque aceitamos bater nas crianças?

Para quem não está familiarizado com a Bíblia, este trecho faz parte do famoso - e lindíssimo - Sermão da Montanha. Nele, Jesus nos diz muitas  vezes "vocês ouviram o que foi dito (...), mas Eu lhes digo (...)" E aí Ele vai citando passagens do Antigo Testamento, e vai-lhes ampliando o significado. No caso aqui descrito, Jesus cita o sétimo mandamento do Decálogo, que proíbe o adultério. Neste contexto, ele explica que olhar com más intenções uma mulher já é cometer adultério...e aí, para evitar o pecado, ele diz para lançarmos fora o olho que nos faz pecar; ou a mão que nos faz pecar. Certamente querendo explicar que tudo aquilo que nos faz pecar deve ser eliminado da nossa vida; por mais que sejamos apegados. Não. Deus não nos quer decepados, pode acreditar.

Como estes, teria outros tantos trechos bíblicos, carregados de ensinamentos corretos e que devem ser seguidos, mas que precisam ser lidos à luz da inteligência e do discernimento (ambos dons de Deus, pois não?). Sempre acreditei que a verdadeira fé não desconsidera o fato de sermos seres pensantes. Sempre questionei muito as coisas. E posso afirmar sem medo de errar que, quanto mais estudo, mais descubro como os ensinamentos de Deus são corretos e sábios. Mas que precisam ser compreendidos em sua totalidade.

Pesquisando sobre o tema em outras fontes que considero confiáveis, deparei-me com esta bonita oração/pregação da consagrada Salette Ferreira. Nela, a missionária diz claramente que a vara, nesta passagem, não significa o objeto que machuca a criança, mas, sim, a correção, a importância de mostrar o que é certo e o que é errado. Fala também que não devemos, nunca, nos omitir diante dos erros dos nossos filhos; e, de quebra, lembra a importância do exemplo: lembra que o modo como nos tratamos enquanto casal (e aí eu extendo isso a todos os tipos e arranjos familiares) terá reflexo direto na maneira como nossos filhos se comportarão.

Também gostaria de recorrer ao Catecismo da Igreja Católica. Catecismo, como devem saber, é um termo vindo do grego, que significa ensinar, instruir. O Catecismo da Igreja Católica é, assim, uma exposição da fé católica elaborada pelos Magistrados da Igreja. Um texto em linguagem atual, que explica de forma organizada os elementos fundamentais da fé cristã. Pessoalmente, recorro sempre a ele, me ajuda muito (e você pensava que ser católico era só ir à missa e participar de procissões hein?). Vamos a ele:


§2223 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Dão testemunho desta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar "as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais." Dar bom exemplo aos filhos é uma grave responsabilidade para os pais. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los:

"Aquele que ama o filho usará com freqüência o chicote; aquele que educa seu filho terá motivo de satisfação" (Eclo 30,1-2). "E vós, pais, não deis a vossos filhos motivo de revolta contra vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor" (Ef 6,4).

Educar crianças nunca foi, nem nunca será tarefa fácil. Quando nos dispomos a ter filhos, temos que ter isto em mente. Deus, em sua sabedoria, mandou-nos diversos recados para que não tentássemos escapulir desta tarefa: cabe aos pais, com seu exemplo, suas atitudes e sua coerência, educar e orientar os filhos. Já acreditava nisso antes, mas agora, depois de refletir um pouco mais sobre o assunto, ficou claro para mim que Deus nos mandou este recado: não fujam à responsabilidade que é de vocês! Não fujamos! Eduquemos, orientemos...sem esquecer o que a Bíblia nos ensina a respeito do trato com o próximo (e há próximo mais próximo que nossos filhos?):

"Não oprimirás o teu próximo, e não o despojarás." Levítico 19,13a
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe." Marcos 12,31

E, por fim, as palavras do próprio Jesus:

"Deixai vir a mim os pequequinos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham." Marcos 10,14

Observações/Comentários
Recorri como fonte de pesquisa a três traduções diferentes da Bíblia, que são as que tenho aqui em casa: Ave Maria, CNBB e Jerusalém.

Agradeço imensamente a todas as pessoas - católicas ou não - que me ajudaram a elaborar este post. Deu trabalho, viu? Torrei a sacoleta de muita gente boa...valeu, gente! Vocês são demais!

Acho que mais importante do que ter ou não uma religião, é respeitar o próximo tal como ele é. E entender que nem tudo o que é bom para mim é bom para o vizinho. Não está certo tentar obrigar quem não vive segundo uma religião a seguir-lhe os preceitos.

4 comentários:

  1. A minha avó paterna ia na igreja Deus é amor e para ela era Deus no céu e o pastor Daniel Miranda na terra, e ela tinha a "vara", eu e minha prima temos medo dessa vara até hoje rsrsr agora parece engraçado mas na hora só fazia sentirmos raiva dela e não nos ensinava nada. E já vi tantas pessoas citando essas passagens para justificar a palmada e tantas outras levando tudo que leem na bíblia ao pé da letra, muito triste ver Deus ser tão mal interpretado. Gostei muito do seu texto!
    Obs.: Minha filha tbm se chama Isabel. Amo esse nome! rs
    Beijos!

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  2. Acho que a maior questão é que cada um tem uma leitura e interpretação de acordo com o que lhe convém... Isso em todas as religiões... Veja o Alcorão, tem coisas lindas lá, mas já transformaram em morte e no grupo Talibã com seus preceitos terroristas. Assim como tem várias religiões que pegam algumas partes da Bíblia como verdades absolutas (dízimo, por exemplo) e outras simplesmente ignoram ou dizem que "tem que ser lida à luz dos tempos atuais"...
    Difícil... Religião é algo bem complicado.
    Mas amor e fé não. então quem se guia pelo amor, pelas boas ações e pela fé nas atitudes boas de Cristo, aí sim, acredito que encontrará o bom caminho.
    O amor sempre é a resposta.
    "Se não tivesse amor (caridade), nada adiantaria".
    Beijinhos

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  3. Parabéns pela reflexão! realmente, não entendo como as pessoas usam uma tradução literal daBiblia pra justificar agressão aos filhos. Se fosse assim teria-se que levar tudo ao pé da letra! Mas é impossivel, não?

    Muito bom texto.

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  4. cresci em uma familia DEUS É AMOR, quando tinha pesadelos minha mãe dizia que era porque tinha feito errado DEUS ME castigando, e COMO TINHA MEDO hoje aos 33 anos vejo como distorcem as belas passagem da bíblia, me revolta, DEUS É AMOR ele nos ensinam com amor hoje eu sei disso e tento passar pra tropinha BONS ENSINAMENTO SEM distorção dos fatos e sem os pré- conceitos existentes dentro dessas " seitas"

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